Publicada em 09/12/2020
Bem sabemos o quanto o Papa
Francisco inspira ao diálogo intergeracional ao longo de seu pontificado. Desde
sua primeira Exortação, Evangelii gaudium (2013), seus pronunciamentos e
escritos insistem na maior reciprocidade entre as diferentes gerações. De lá
para cá, no percurso que inclui a travessia de uma pandemia globalmente alarmante,
o Papa segue como grande farol, firmado na pedagogia do equilíbrio entre historicidade
e esperança.
A marca
pontífice da cultura do encontro - e do encontro com as novas gerações sem
suprimir as gerações precedentes – tranversaliza seu anúncio e missão. Se suas
palavras iluminam, seu testemunho proximal e intergeracional comunica à
contemporaneidade: o compromisso cristão se manifesta na qualidade dos vínculos
relacionais que se firmam diante dos desafios e aprendizagens conjuntas.
O
desejo manifestado por Francisco no final da Exortação Pós-sinodal Christus vivit
(2019), indica a dinâmica entre o ímpeto da juventude em “correr à frente” e o
“passo lento” daqueles que já carregam o maior peso da experiência. Aos jovens,
o Papa inflama: “Correi atraídos por aquele Rosto tão amado, que adoramos na
sagrada Eucaristia e reconhecemos na carne do irmão que sofre” e recomenda: “E
quando chegardes aonde nós ainda não chegamos, tende a paciência de esperar por
nós” [Cf. CV, 299].
Neste
2020 impensado, a publicação da Carta Encíclica Fratelli tutti acentua
corajosamente o tom do compromisso ético pessoal e comunitário, fortalecendo a
arquitetura empática em que a fraternidade, em vistas de uma amizade social e
planetária, é inadiável. Diante dos abismos sociais sinalizados que impactam ainda
mais diretamente, crianças, jovens e idosos, o texto convoca à responsabilidade
cristã no modo de ser/conviver/estar no mundo.
Francisco
propõe a fraternidade como caminho intencional, isto é, deve ser assumido em
primeira pessoa e em coletividade. Para sairmos das sombras de um mundo
fechado, ressalta que discursos não são suficientes, e a exigência está na práxis
de nos redescobrirmos enquanto família humana.
De acordo com o
Papa, a corresponsabilidade intergeracional implica a consciência do serviço que
ressoa no exercício do cuidado uns com os outros. Solidariedade, bem comum, escuta,
perdão, amor, paz, hospitalidade, justiça, são princípios manifestados
concretamente no gesto do servir, especialmente diante dos invisibilizados e mais
vulneráveis.
O
conteúdo da Fratelli tutti não nos deixa passar despercebido o
fundamental cuidado com as novas gerações e seu direito ao desenvolvimento
sustentável da casa comum. Se a Christus vivit colocou a juventude no
coração da Igreja, a Fratelli tutti, ao nos provocar enquanto família
humana, nos responsabiliza ao serviço diligente junto aos adolescentes e
jovens.
Acompanhar as
novas gerações é caminhar percebendo as surpresas do caminho. A família nuclear
certamente tem a missão primária e imprescindível de acompanhamento e
investimento em seus filhos e filhas, porém a família humana está implicada na
ação emergente de constituir espaços sociais saudáveis em garantia e promoção
da dignidade de adolescentes e jovens: à vida, à educação qualitativa e
potencializadora, à segurança, à saúde, ao seu desenvolvimento na integralidade
corpo-psique-espírito.
Além
disso, Francisco sinaliza a importância da escuta ativa e de um olhar mais
poliédrico diante de adolescentes e jovens: ir ao encontro de suas
necessidades, inquietações, formas singulares de expressão, atentar-se aos
enfrentamentos diante dos contextos, perceber suas interlocuções e
conectividades na era do onlife, em que real e virtual se (con)fundem, integra
a responsabilidade dentre as situações que atingem a condição juvenil. Ser
corresponsável pela promoção das novas gerações, é potencializar um crescimento
capaz de encher-nos do entusiasmo da participação e inovação dos jovens na vida
familiar, social e eclesial.
O
compromisso do acompanhamento com as novas gerações, de acordo com o Papa,
requer equilíbrio no atuar para e com adolescentes e jovens. É
caminhar na consciência do cultivo da fraternidade como pedagogia relacional. É
contemplar o despertar da interioridade de cada jovem ao encontro das
(re)significações de vida. É vislumbrar e esperançar em seus sonhos e projetos.
Caminhar com as novas gerações, neste exercício comprometedor do espírito
fraterno é, inclusive, dar permissão ao olhar cuidador que muitas vezes direcionam
a nós, no qual revelam suas expertises, exigem a coerência e nos revigoram nos
momentos áridos.
O diálogo
intergeracional necessário envolve, consolida, faz crescer e enche de vida
todos os partícipes do processo, sobretudo adolescentes e jovens, ao se
reconhecerem protegidos, estimulados e amados, como principais interlocutores e
motivos do existir das pastorais juvenis e ambientes educativos.
Patrícia
Espíndola de Lima Teixeira
Psicopedagoga, doutoranda e mestre em
Teologia Sistemática /PUCRS
Coordenadora do Observatório Juventudes
PUCRS/Rede Marista